31 de julho de 2011

Pitty: Entrevista a Revista Cultural Novitas

Lançando seu quinto DVD, intitulado A Trupe Delirante no Circo Voador ou "Flying Circus Troupe Delusional", como traduziu um tanto erroneamente a revista americana Billboard - onde Pitty chegou a estar em terceiro lugar na parada Uncharted - e que figurou na lista dos mais vendidos quando ainda estava em pré-venda, Pitty já se firmou como uma das mais bem sucedidas cantoras brasileiras, mas ainda existe uma parte da mídia que insiste em ver a moça como uma "artista menor", voltada unicamente para o público adolescente. Pitty acredita que existe má vontade quando a mídia se refere à nova safra de bandas de rock nacionais, colocando "tudo no mesmo saco", sem o cuidado de analisar individualmente cada trabalho, como se todo artista mainstream tivesse as mesmas características e objetivos. Mas a realidade é que cada vez mais o público de Pitty vem mudando. Hoje, já é possível encontrar muitos maiores de 25 em seus shows e não, não estão acompanhando seus filhos e sobrinhos. Porém, Pitty afirmou em entrevista à Uol que ainda é bastante comum se referirem à sua audiência como "público teen".

E não apenas seu público, mas Pitty também mudou. Além de trazer em Chiaroscuro (2009) referências diferentes das que experimentou em seus discos anteriores, alcançando um estrondoso sucesso inesperado com "Me Adora", um single inspirado nas produções de Phil Spector para os grupos femininos da Motown (mais especificamente bebendo na fonte de "Be My Baby" das Ronettes), Pitty recentemente se aventurou com seu guitarrista Martin Mendezz em um projeto mais minimalista batizado de Agridoce, impulsionado por uma audição de Nick Drake e inspirado em Elliot Smith, Velvet Underground, Iron & Wine, Leonard Cohen, Jeff Buckley e Sean Lennon, que acabou se transformando em um som experimental "fofolk: folk fofo. Mas nem sempre". A maioria das músicas do projeto são compostas por Pitty no piano e Martin no violão, porém a música mais recente postada no MySpace da dupla, "O Porto" é mais trabalhada que as anteriores, recebendo a adição de mais instrumentos e que recebeu uma versão com banda ilustre formada por Hélio Flanders (Vanguart), Bruno Kayapy e Ynaiã Benthroldo (Macaco Bong), Karina Buhr, Pupillo (Nação Zumbi) e a dupla Finlândia em sua recente, e única, apresentação ao vivo no Studio SP promovida pelo coletivo Fora do Eixo.

Com a excelente resposta dos fãs, Pitty está animada em gravar um CD do projeto (e em recente atualização no twitter, o duo deu a pista de já estar preparando um disco) e em realizar mais shows, ao final da turnê da Trupe. Ou não.

Ao contrário de certa parte de bandas que alcançaram a mídia, Pitty não tem medo de abordar temas relevantes e que talvez fossem pouco atraentes para uma juventude desacostumada a pensar sobre assuntos sérios. Em uma das músicas do duplo-platinado Admirável Chip Novo (2003), "O Lobo" - resgatada em seu novo CD/DVD, Pitty evoca Thomas Hobbes para concluir que o maior inimigo do homem é ele mesmo e sua sede de poder, algo não muito diferente do que ocorre entre figuras da mídia, por exemplo. Já em "Brinquedo Torto" do seu segundo CD, "Anacrônico" (2005), Pitty assume a voz de alguém que se deixa manipular pelo sistema, indo para o abate feito gado e literalmente se permitindo ser vendido como um mero produto. Também em "Anacrônico", Pitty discorre sobre a necessidade cada vez maior das pessoas se fecharem em grades e muros, que não podem nos manter escondidos de nós mesmos (De Você) e ainda apresenta uma música obscura, que sutilmente critica os abusos cometidos em nome de Deus (Quem vai Queimar?). No álbum "{Des}concerto" (2007), Pitty provocou polêmica com a música "Pulsos", por supostamente fazer apologia ao suicídio, ao que a cantora respondeu: "Ninguém é burro de se matar por causa de uma música".

Em seu último disco de estúdio, Pitty buscou O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir e as experiências femininas para escrever a música "Desconstruindo Amélia". À época do lançamento do CD, a cantora comentou a inspiração da música para o site Rock Em Geral:
- As musas inspiradoras somos eu e minhas amigas que tantas vezes conversamos sobre isso, sempre comentando sobre como tem sido difícil conciliar as funções maternais, domiciliares, profissionais e pessoais. As mulheres cortam um dobrado hoje em dia para dar conta de todas essas coisas. Quando decidi escrever sobre o assunto pesquisei em alguns blogs, e me surpreendi com comentários de mulheres que diziam sentir falta dos moldes tradicionais. Que preferiam ser donas-de-casa bancadas pelo marido provedor e se preocupar apenas com o melhor jeito de se assar um bolo. Outras já diziam que apesar da sobrecarga sentiam-se satisfeitas em não depender financeiramente da boa vontade de um homem que algum dia poderia ir embora e as deixaria na mão. Nessa época li novamente “O Segundo Sexo” de Beauvoir, e é ótimo o jeito que ela investiga o papel feminino na sociedade, o conceito de o homem ser tido como Um e a mulher como o Outro, o reflexo. O espelho, o ponto de partida é o Um, e a mulher aceitando isso se coloca na posição de ser o Outro. Daí veio a frase: “Já não quer ser o Outro, hoje ela é Um também”. No encarte não dá pra perceber bem o uso das maiúsculas, fundamentais para o entendimento. E Balzac apareceu ali como uma lembrança ao fato de que a idéia dele de mulher de 30 hoje é completamente defasada. Não existem mais senhoras de 30, existem hoje umas quase pós-adolescentes. A ciência e as tecnologias cosméticas ajudaram a mudar essa perspectiva.

A canção promoveu um dos momentos mais curiosos do DVD, onde as meninas, espontaneamente, resolveram tirar suas blusas e agitá-las para o alto, em uma espécie de "queima de sutiãs do século XXI", como definiu a cantora. Também neste CD, Pitty - como boa fã de psicanálise - abordou a questão da Sombra de Jung, o lado obscuro e inconsciente da nossa personalidade que muitas vezes relutamos em admitir até para nós mesmos e cuja não-aceitação pode se tornar perigosa para a saúde mental do indivíduo (recentemente apresentado no cinema através do premiado filme "Cisne Negro"). No DVD "Chiaroscope" a música ganhou um inusitado clipe com todos os músicos vestidos de coelhos gigantes. Freud explica.

A música está sendo muito bem recebida pelo público, principalmente o LGBTS que levou sua bandeira para o show da Pitty e inclusive rendeu à cantora um carinhoso e-mail do cartunista. "Ele é um querido", Pitty declarou.Para o novo lançamento, Pitty inovou ao compor a música "Comum de Dois", inspirada na história do cartunista Laerte que há pouco tempo se assumiu como transgênero, causando alvoroço na mídia. Na letra, Pitty dá demonstrações de compreensão e aceitação "Quando apontam aquele olhar/Ele sabe e deixa passar/O salto dói, ele sorri/Mais machucava ter que omitir/Prazer e dor de ser mulher/Por essa noite é o que ele quer". Para a cantora as pessoas não deveriam se "separar em comunidades e guetos baseado em opção sexual, raça, religião. Gente é só... gente".

Mas até para uma artista como Pitty as coisas podem ser difíceis. À época do lançamento do single "Fracasso", muitas rádios se recusaram a tocar a música por ela ser "muito pesada" e houve até quem dissesse que não tocaria uma música com este título. Exigiram de Pitty uma versão acústica ou o lançamento de uma balada do disco, que acabou sendo a opção adotada pela banda e rendeu um belo clipe rodado em super 8, como que retratando um sonho que se passa nos anos 70.

Apesar de ser uma artista que alcançou a alcunha de estrela e que hoje arrasta multidões aos seus shows, você me parece a mesma pessoa acessível, que não se acomodou no sucesso e que está sempre à procura do novo, de coisas diferentes, de formas diferentes, de surpreender seu público e ainda mantêm um contato bacana com seus fãs e com os jornalistas. Já teve medo que o sucesso lhe subisse à cabeça, já precisou controlar isso?

Não. Nada disso que você citou pra mim é mérito, é só que deve ser. Algumas pessoas de fora, que não me conhecem de verdade, às vezes encaram certas coisas como estrelismo por causa do meu jeito direto, impulsivo, meio "sincericida" até. Mas eu sou a mesma de sempre, desde que eu era adolescente e mesmo na minha primeira e desconhecida banda era desse jeito. Pro bom e pro ruim, a essência é a mesma.

Você acaba de lançar o DVD "A Trupe Delirante no Circo Voador", onde parece uma espécie de retorno às raízes apresentando um show com menos "produção", e um maior foco na música, na performance, na energia de m show ao vivo. Me lembro dos primeiros shows que assisti em 2003 quando você estava na batalha para levar sua música à todos os lugares onde fosse possível. Uma cantora de rock preocupada com a música e a mensagem. E esse registro está sendo lançado oito anos após o lançamento do primeiro CD. Pode-se dizer que o conceito do DVD é realmente um retorno às origens? Você sente falta desse clima rock and roll sem o status de superstar que alcançou nos últimos anos?

É sempre bom manter o foco e lembrar do que realmente importa nisso tudo. Na verdade, nunca me afastei. Esse status que você menciona (e o que quer que isso signifique, rs) nunca pode ser maior do que a principal fagulha que motiva as pessoas a fazerem arte: expressão, autoconhecimento, libertação. Continuo nessa, e talvez esse DVD seja só mais um passo nessa mesma direção.
 
Na música "Desconstruindo Amélia" você comenta um pouco sobre as dificuldades da mulher moderna. A música parece ser um dos pontos altos dos shows, com meninas sem blusa entoando a música como um hino, como se a canção lhes trouxesse bastante auto-estima, ainda mais neste momento do país onde temos a primeira mulher presidente. Aliás, Dilma Rousseff sempre comenta que quando era candidata uma menina pequena perguntou a ela "ué, mas mulher pode ser presidente?" e que a eleição dela era uma resposta de que sim, mulher pode. Me surpreende que, nesse contexto, a música fique como uma espécie de lado B do Chiaroscuro. A música não é radiofonicamente interessante ou, propositalmente, você preferiu não levantar nenhuma bandeira que remetesse ao feminismo? Podemos esperar algum lançamento de clipe ao vivo dessa canção?

Nunca pensei nela como lado A ou B. É mais uma música do disco, apenas. E parece que as músicas por si só vão ganhando, com o tempo, essa conotação de single ou não. Adoro essa canção e adoro cantá-la nos shows. Me surpreendi com a reação das pessoas e especialmente das meninas que, espontaneamente, tomaram a liberdade de interpretá-la daquele jeito, tirando a blusa numa espécie de "queima de sutiã" do século XXI. Nunca fiz qualquer menção, nunca induzi de nenhum jeito, nunca sugeri que fizessem isso. Parece ter sido realmente a forma delas dizerem que entendem a mensagem e que estão dispostas a encarar essa questão de "peito aberto". É interessante isso, o seio é um dos símbolos femininos mais fortes e icônicos: é através dele que alimentamos literalmente a humanidade. Vê-las se desnudando ali corajosamente e quebrando esse estereótipo de "mulher não fica sem blusa porque é proibido" chega a ser emblemático. Simbolicamente é como hoje, com as mulheres conquistando cada vez mais territórios anteriormente proibidos. Considero a música radiofônica, mas parece que as rádios pensam o contrário, pra variar. :) E também não sei se haverá clipe dela, eu gostaria de trabalhar essa música.

Confira a entrevista na íntegra e a edição de Nº 11 completa da Revista Novitas Cultural clicando aqui. Créditos à jornalista responsável pela entrevista: Renata Arruda.