por Renata Arruda
Em Junho de 2010, durante os intervalos da turnê do álbum “Chiaroscuro” (2009), Pitty e o guitarrista Martin Mendezz se reuniram na casa da cantora e, influenciados pela música de Nick Drake, começaram a compor algumas canções no esquema voz, violão dedilhado, piano minimalista e letras “ora lúdicas e fofas, ora pesadas e melancólicas”, diferentes do conhecido trabalho autoral da cantora. Surgia o Agridoce, inicialmente idealizado como um projeto folk, e hoje melhor definido como “canção popular melodramática”, cuja premissa está na liberdade criativa de compor sem se prender a rótulos.
O projeto, de influências como o supracitado Nick Drake, Leonard Cohen, Sean Lennon, Velvet Underground, Iron&Wine, Elliott Smith e outros, em pouco tempo agradou ao público, que começou a pedir por shows e pelo lançamento de um álbum. “É surpreendente que essas músicas tenham tocado as pessoas”, chegou a declarar Martin.
A dupla começou a se animar com a ideia de levar adiante o projeto, mas foi quase um ano depois que o Agridoce arriscou sua primeira apresentação ao vivo. Chegando no palco de maneira um pouco apreensiva, Pitty chegou a pedir: “Espero que vocês sejam compreensivos”. A plateia embarcou na atmosfera intimista e delicada da apresentação, cantando todas as músicas em um coro baixinho. A noite estava ganha. Para o encerramento, Pitty e Martin chamaram ao palco os músicos Hélio Flanders (Vanguart), Bruno Kayapy e Ynaiã Benthroldo (Macaco Bong), Karina Buhr, Pupillo (Nação Zumbi) e a dupla Finlândia, que os acompanharam na dramática “O Porto”.
Com a repercussão positiva, finalmente Pitty e Martin fecharam com selo Vigilante (Deck) e, inspirados pelo documentário “Funky Monks”, do Red Hot Chilli Peppers, partiram para a Serra da Cantareira, onde montaram um estúdio caseiro na enorme casa de campo, que batizaram de Agridocelândia. Para os arranjos, além do piano meia cauda, violões, guitarras e chocalhos, apostaram em tirar sons de palmas e pés e improvisar com o que estivesse disponível: porta, corrente, gaveta de cabeça para baixo. “Tem duas músicas que a gente usou a técnica de piano preparado do John Cage, que você interfere o som colocando coisas nas cordas. Numa delas a gente colocou gizo, na outra colocamos garfo”, disse Pitty em entrevista e Martin prosseguiu: “Acabou saindo muita coisa que, na cabeça da gente, poderia ter feito de outro jeito. Pensávamos em colocar cordas, mas descobrimos que um dobro com um ebow e slide, dobrado três vezes, causava essa impressão”.
Para lá também se mudaram o produtor Rafael Ramos, o engenheiro de som Jorge Guerreiro e o fotógrafo e cinegrafista Otávio Sousa, que registrou toda a estadia do grupo durante os vinte e dois dias do isolamento. Pitty e Martin acabaram compondo mais do que o previsto, fechando o período de gravações com vinte e uma músicas prontas; entre elas, a balada pop “Upside Down”, recentemente lançada no site oficial do Agridoce (http://agridoce.net).
Enquanto isso, sete versões demo continuam disponíveis nas páginas da dupla, além do vídeo promocional da canção “B Day”, realizado por Daniel Weksler. Uma oitava, “Ne Parle Pas” – a única composição em francês – inspirou o produtor Daniel Tejo (Instituto) de tal forma que ele criou um remix trip hop com batidas de dubstep e trompete cool jazz, trazendo uma atmosfera sensual e melancólica à música. A ideia acabou resultando no lançamento de um compacto em vinil colorido 7″, que traz a demo original em um lado e o remix no outro e pode ser comprado exclusivamente no site da loja IdealShop.
O aguardado CD, batizado apenas de “Agridoce” e masterizado por Bernie Grundman (Tom Waits), chega às lojas na primeira quinzena de Novembro. O primeiro single, “Dançando” – que em sua versão demo teve o maior número de execuções nas páginas da dupla – estará nas rádios a partir de terça-feira, mas o Scream & Yell já teve acesso e traz o single com exclusividade, além de uma mini-entrevista. Ouça a música abaixo e confira o bate papo:
Capa do disco “Agridoce”
Sabemos que o Agridoce surgiu de maneira despretensiosa, influenciado pelo folk de Nick Drake, inclusive sendo apelidado de “fofolk” no começo. Agora que ganhou corpo, o que podemos esperar do CD?
Martin: Muita coisa mudou desde os tempos de ensaios e músicas disponibilizadas no MySpace até a finalização do disco. Isso somado ao fato de termos gravado num clima de liberdade criativa tão grande aumentou muito a distância entre a proposta inicial e o produto final. Nunca assumimos um rótulo folk ou minimalista, são apenas dois entre muitos elementos.Pitty: No final das contas, deixamos a coisa voar para o lado que nos desse vontade, descobrindo enquanto fazíamos, a despeito da fagulha inicial que era esse lance mais acústico apenas. O método rústico da gravação dá totalmente o tom do disco; é possível sentir a atmosfera da casa, da madeira do piso e do teto, do ambiente de fora com vazamentos em geral já que não era um estúdio acusticamente isolado. E isso a gente queria mesmo, o clima de uma casa com amigos reunidos respirando música e criando 24h por dia. Hoje não sei como classificar o som, mas acredito que a proposta seja desenvolver canções intimistas e explorar experimentalismos tendo o piano e violão como base.
Podem contar um pouco sobre o processo de composição da dupla? Você também compõe no piano, Pitty?
Martin: Na verdade não existe um processo de composição, simplesmente vamos acolhendo as ideias que aparecem. Algumas vezes um dos dois traz um esboço e vamos desenvolvendo juntos, noutras um vem com a canção já mais finalizada e o outro interfere no arranjo ou letra. Algumas músicas foram compostas pelos dois a partir de improvisações livres. A regra é não ter regra. Pitty: Tenho a mania de sempre fazer o texto primeiro, com calma, com tempo. No Agridoce foi interessante me ver arrancada dessa zona de conforto algumas vezes, quando tínhamos uma música pronta e Martin me incitava a fazer a letra ali, na hora. Eu dava uma surtada, ficava meio louca, achando impossível de acontecer; mas no final do dia acabávamos tendo a tal canção finalizada.
Martin: Criar em parceria gera uma tensão que pode trazer resultados muito legais, as estrofes de “Upside Down” são um exemplo disso. As inspirações para as letras são as mais variadas e apesar delas terem um tom biográfico não são necessariamente sobre experiências reais.
Pitty: Pra mim algumas são. Não sei escrever de “fora”. E sim, eu me aventurei a compor no piano.
Pitty declarou que quando lançou seu primeiro CD queria sair do marasmo da época, com letras “nem um pouco fofas” e rejeitou lançar a balada “Equalize” como primeiro single, o que deu muito certo. Porém, os tempos são outros, as rádios têm-se oposto a tocar músicas pesadas afirmando que não há um grande público para este tipo de som. Inclusive, no Rock in Rio, o grande momento da banda foi curiosamente durante as baladas. O que mudou em você como artista e o que acha que mudou para o público?
Pitty: Em mim não mudou muita coisa nesse sentido. Sempre acho que vale a pena experimentar a contramão pra dar um sacode nas coisas, como tentei fazer no primeiro disco. Hoje em dia talvez nem tivesse rolado, o funil está cada vez mais estreito. E ao mesmo tempo, lançar um disco de canções agora não tem nada a ver com esse afunilamento. Não quero fazer ou deixar de fazer nada movida por essa questão, a mola propulsora da criação é outra. Não sei o que mudou exatamente para o público, exceto pelo fato de que quem gosta de som mais pesado permanece carente de emissoras apostando nesse segmento e corre por outros lados como a internet, por exemplo.- Renata Arruda (@renata_arruda) é jornalista e colaboradora na empresa Teia Livre e na Revista Cultural Novitas